Como sobrevivem as últimas locadoras de vídeo em Porto Alegre (2024)

Leonardo Moura

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Jornalismo — Faculdade São Francisco de Assis

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Jan 22, 2020

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Comércio de videolocadoras está em extinção na capital gaúcha. Hoje restam 6.

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Por Leonardo Moura

Ir em uma locadora de vídeo até meados dos anos 2000 era algo comum na vida de todo brasileiro. Há quem fosse mais seguido, quem as vezes alugasse um lançamento, ou aqueles que locavam no fim de semana para devolver na segunda e ter um dia a mais para assistir. Hoje, a realidade é diferente. O crescimento da pirataria na década passada, a ascensão recente dos serviços de streaming, além dos sites e programas que disponibilizam ilegalmente filmes na internet, fez com que as videolocadoras fossem desaparecendo aos poucos.

Porto Alegre, que chegou a ter inúmeros estabelecimentos de locação de filmes, hoje, segundo minha pesquisa de campo, conta com apenas 6 remanescentes. No site da Secretaria de Indústria e Comércio de Porto Alegre (SMIC), ainda consta o registro de 97 estabelecimentos que, entre outras atividades, alugam filmes. Mas a própria SMIC já alertou que esse número não condiz com a realidade, pois muitas empresas não dão baixas no alvará quando fecham, além de muitas, deixarem de lado o comércio de aluguel e venda de filmes para se dedicarem a outras atividades.

No meio desse enxugamento do mercado, há as que tentam se reinventar com trocas, vendas e feirões, caso da Twin Vídeo, outras mantém o padrão clássico de uma videolocadora, como a Vídeo Rec e a Cinne Vício, que aposta também na venda pela internet. Há também a E o Vídeo Levou, a mais antiga da cidade, se tratando de filmes convencionais, mas que nos últimos anos começou a complementar com outras coisas, como livros e games. A Cia do Vídeo já é mais um pub do que uma videolocadora. E a Zil Vídeo se mantém com a alcunha de ter o maior acervo de filmes p*rnográficos do mundo. Vamos conhecer um pouco de cada uma delas a seguir.

Localizada no bairro Jardim Botânico, mais precisamente na Rua Itaboraí, com seus 2 andares recheados de DVDs, e contando até com fitas VHS, estas apenas para locação, a E o vídeo Levou, após 30 anos de sua abertura, resiste ao tempo e a era dos serviços de streaming. Apesar de ter a venda quadros, livros, games, salgadinhos e balas, o proprietário, Álvaro Bertani, 54 anos, afirma que a maior parte do faturamento ainda vem da venda e aluguel de filmes.

“Até hoje ainda abrimos alguns cadastros novos. Tem muitos filmes antigos que são procurados pelo pessoal que estuda cinema e por professores que querem exibi-los em colégios. Geralmente, os mais procurados são filmes antigos e raros’’, comenta o proprietário e também atendente.

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Perguntado sobre um dia fechar a locadora, Álvaro diz que é uma tendência natural, não pela falta de clientes, pois esses ainda existem em bom número, mas, sim, pelo fato de as distribuidoras de filmes estarem fornecendo poucos produtos às videolocadoras.

Em uma pequena porta que dá acesso a uma escadaria na Avenida Osvaldo Aranha, existe a Zil Vídeo. Entre a Lancheria do Parque e o Bar Ocidente, dois locais icônicos da cidade, opera a meca dos filmes p*rnográficos. Um lugar magnífico, surpreendente, e de deixar qualquer pessoa, que suba a escadaria e adentre os 3 andares do prédio, de queixo caído. A Zil existe desde outubro de 1987. Conta com cerca de 30 mil filmes adultos em DVDs e mais 40 mil filmes em VHS, entre esses, filmes alternativos, clássicos, exploitations dos mais variados estilos, raridades e também p*rnôs. Chega a ser um ponto turístico da cidade, já que atrai muitos colecionadores de todo o país, além de fãs de cinema underground e curiosos. A Zil também tem seus clientes fiéis, claro.

Sobre sua locadora ser considerada por muitos a maior do mundo, o proprietário, Hilton Zilberknop, 55 anos, diz que acredita que é sim, e fala brincando que ninguém é “tão louco’’ quanto ele para ter uma coisa assim.

O proprietário conta que decidiu investir mais nos filmes adultos e alternativos, por ver um nicho pouco explorado na época pelas outras locadoras, que apostavam mais nos blockbusters, e por esses filmes mais alternativos não serem de fácil acesso naqueles tempos, era uma época em que não havia internet, nem TV por assinatura.

Acabou ganhando um grande público no final da década de 80, entre eles, cinéfilos, diretores de cinema e intelectuais que frequentavam regularmente a locadora.

“As locadoras, por serem um ambiente mais família, na época, não colocavam filmes p*rnôs para alugar, poucas colocavam aqueles mais ‘clássicos’, com capas mais discretas. Eu ousei e inovei colocando filmes de gays, travestis, lésbicas, zoofilia, sadomasoquismo, etc.’’, conta Hilton.

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Enquanto entrevisto o proprietário, um homem, que prefere não se identificar, entra na loja e pergunta o que a locadora tem de filmes não p*rnográficos. Espanta-se quando descobre a quantidade de filmes disponíveis para aluguel e venda. O homem pergunta se há filmes nacionais, e Hilton já lhe avisa que se encontrar 1 no meio dos milhares será seu dia de sorte. Os filmes nacionais que não são do gênero p*rnográfico já foram quase todos comprados.

Zilberknop conta que na década de 90 ter uma locadora de vídeo era um negócio bem lucrativo. Comenta que o bairro Bom fim, onde situa-se a locadora, chegou a ter 16 comércios desse segmento, restando hoje apenas a Zil Vídeo. Também menciona que o videocassete era um sonho de consumo das pessoas na época e, como consequência, o aluguel do VHS era muito procurado, pois segundo o proprietário, “todo mundo queria ter um carro e um videocassete no final dos anos 80’’. Porém com o passar dos anos, em decorrência do advento do DVD, onde teve que se renovar o estoque, e a banalização da pirataria, acabou ficando cada vez mais difícil manter esse tipo de negócio. Hilton mantém o valor do aluguel dos filmes por 10 reais, preço que diz tentar não aumentar para não perder a clientela. A respeito do futuro do negócio, é enfático:

“Não aconselho ninguém a montar locadora de vídeo. Eu consigo manter pois tenho um estoque muito grande e já tenho um certo nome no meio. Eu me dediquei. Tenho uma vida inteira dedicada a isso. Enquanto der para manter, eu vou levando’’.

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Na zona norte, Rua João Wallig, em um prédio de 2 andares, com um estacionamento na entrada, opera a imponente Twin Vídeo, que segundo seus proprietários, o casal Denise Noah e Francisco Gaspar Franco, conta com cerca de 80 mil filmes. A videolocadora ostenta filmes de diversos gêneros, raridades, séries, box para colecionadores e até CDs de música. Há também troca e revenda de filmes, além de feiras com promoções.

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Ainda há quem alugue filmes, como o engenheiro mecânico, Kléber Nascimento, 38 anos, que entra na Twin Vídeo perguntando se há o último filme do diretor Spike Lee, “Infiltrado na Klan’’. O atendente apontou para a sessão de lançamentos e rapidamente Kléber fora ao encontro do filme desejado.

“Eu gosto de vir na locadora. Às vezes, até assisto alguma coisa na internet, mas não tenho muita paciência para ficar procurando, então veio aqui e já vou direto no que eu quero’’, afirma o engenheiro.

A tradicional Cia do Vídeo existe há 25 anos. Têm uma boa gama de filmes clássicos, alternativos, europeus e também alguns lançamentos. Já chegou a ter 5 funcionários. Segundo o proprietário, Paulo Souza, 54 anos, nos finais de semana, chegava a locar mil filmes por dia, número que hoje é difícil de alcançar.

Hoje em dia, em um sábado muito bom eu alugo 45 filmes’’, comenta.

Paulo também lamenta o fato do brasileiro, segundo ele, se interessar apenas por filmes e séries disponíveis nos serviços de streaming. Comenta que, na Europa, ainda há uma grande procura pelos serviços de videolocadora.

Esta é a última videolocadora do Centro de Porto Alegre, porém, o local não sobrevive apenas com essa atividade. De acordo com o proprietário, seria insustentável manter o local apenas com as vendas e aluguéis de filmes. O carro chefe da casa atualmente é o açaí, as cervejas artesanais e os lanches, além da música ao vivo, que eventualmente é colocada para atrair o público. O lugar acabou transformando-se mais em um pub. Os filmes são mantidos apenas pela questão cultural e histórica que envolve todo o negócio, aliado ao amor do proprietário ao cinema.

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Localizada na zona leste, essa é aquela clássica locadora de bairro. 1 andar, com os DVDs nas prateleiras separados por gêneros, com o dono atendendo atrás do balcão, a televisãozinha e o computador. O curioso é que o proprietário, Saul Bressan, 47 anos, comprou a locadora há 3 anos atrás em meio à crise do mercado. Segundo Saul, foi uma aposta, aliado ao seu amor à sétima arte.

“É difícil. Tenho outras fontes de renda. Sobreviver só de locadora não tem como mais. Eu mantenho aqui como hobbie, porque gosto de cinema, então é ‘no amor’ mesmo, né?’’, comenta o proprietário.

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Logo após terminar de falar com Saul, entra na locadora o estudante de Publicidade e Propaganda, Gabriel Oliveira, 20 anos, que estava procurando alguns filmes para assistir em casa naquele fim de semana. Gabriel, apesar da idade, afirma que, mesmo vendo filmes na internet, ainda gosta de locar DVDs pela qualidade de som e imagem.

“Ah, tem filme que a gente até encontra na internet, mas a qualidade é muito ruim. Com o DVD original não temos esse problema’’, comenta o jovem.

A Cinne Vício fica na Rua Padre Hidelbrando, na zona norte da capital, e é outra locadora clássica de bairro. O estabelecimento conta com filmes clássicos e lançamentos, e também atua na internet através do e-commerce. O proprietário, Jhonattan Queiroz, 32 anos, que diz gostar e entender do negócio, já revendia filmes para videolocadoras antes de surgir a oportunidade de comprar o estabelecimento, há 10 anos atrás. Na época, a locadora contava com apenas mil filmes, hoje são 20 mil, sendo o maior acervo de filmes à venda na internet e o maior comércio eletrônico do segmento.

Jhonattan vê com bastante otimismo o mercado de aluguel e venda física de filmes, conta que, por mais incrível que possa parecer, nesse ano de 2019 o seu faturamento aumentou comparado aos últimos 3 anos, o que atribui ao fato dos serviços de streaming estarem aumentando o valor cobrado pelas assinaturas e por ter muitos títulos que não estão disponíveis na internet.

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“Eu entendo de mídia física, entendo de cinema e conheço os gostos dos meus clientes, então isso acaba fazendo com que as pessoas continuem voltando na loja e comprando coisas que eles sabem que só encontram comigo’’, comenta o proprietário.

Fazendo questão de trabalhar em cima da marca nas redes sociais, Jhonattan diz que não tem como ficar rico com esse tipo de negócio nos dias de hoje, mas ainda dá para tirar um bom dinheiro. Com seu empreendimento, consegue se sustentar e pagar sua faculdade. Apesar de grande parte do lucro vir do e-commerce, afirma que ainda conseguiria se manter apenas com os aluguéis de DVDs e que esse ainda é um bom nicho.

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Há também locais que apenas vendem DVDs. Há exemplos, como a HI-FI, que fica na Avenida Independência. O local que já fora uma locadora de vídeo, atualmente trabalha apenas com a venda de filmes e funciona também como uma lancheria. Na Avenida Farrapos, existe a Zero Distribuidora, que atua no atacado e varejo. Apesar de ter um bom movimento, o proprietário diz que está pensando em fechar o negócio nos próximos meses.

Também existem algumas locadoras que trabalham exclusivamente com filmes p*rnográficos, porém, nessas os clientes não podem locar o filme e levar para casa, podendo assistir apenas nas televisões do próprio estabelecimento.

O Brasil é hoje o quarto país do mundo que mais consome pirataria audiovisual, o que gera um prejuízo estimado de R$ 130 bilhões por ano. Conforme a Agência Nacional do Cinema (Ancine), de janeiro a junho de 2018, os 10 sites com filmes e séries piratas mais acessados no país somaram 1,3 bilhão de acessos. Há também o controverso Torrent, que apesar de ser um programa legal, é muito usado para baixar conteúdo pirata. Frequentemente há operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com as polícias civis, para combater a pirataria na internet. Geralmente os sites são “derrubados’’ e os responsáveis presos.

A venda de DVDs piratas caiu muito nos últimos anos, mas ainda há esse comércio ilegal nas cidades brasileiras. No centro de Porto Alegre, algumas capas são expostas nas calçadas. Facilmente adquiridos, geralmente, com lançamentos que muitas vezes nem saíram de cartaz no cinema, os filmes costumam ser de qualidade duvidosa e são vendidos de R$ 5 a R$ 10 cada.

No Brasil, de acordo com o Artigo 184 do Código Penal, a violação de direitos autorais é crime e pode resultar em penas de três meses a um ano de prisão, ou multa, para quem baixa ou distribui conteúdos protegidos sem lucro envolvido.

Reportagem produzida na disciplina de Seminário de Jornalismo Especializado I do curso de Jornalismo da Faculdade São Francisco de Assis (UNIFIN) em 26 de novembro de 2019 — Supervisão: Prof. Andres Kalikoske.

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Author: Kareem Mueller DO

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